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Mercúrio em Capricórnio

Foto do escritor: Julia GarciaJulia Garcia

Depois da Lua, Mercúrio é o mais veloz dos astros. Ele finalmente deixou seu exílio em Sagitário e entrou em Capricórnio, domicílio noturno de Saturno, o mais lento de todos.


Os pés velozes de Mercúrio ganham aqui sapatos de chumbo. Suas agilidades e artimanhas respondem agora pela tom de responsabilidade saturnina. Seus passos são tão cautelosos como os de um velho, assim como suas palavras devem ser pensadas e medidas com a régua do Tempo, antes de simplesmente serem ditas.


Apesar da grande diferença de velocidade os dois astros compartilham o mesmo temperamento, Mercúrio e Saturno são frios e secos, melancólicos. Mercúrio aceita os termos de Saturno e se adapta bem a eles, assim trabalha sua mente ágil dentro das regras que o ancião lhe impõe. Para quem tem pressa, a lentidão é fundamental. É preciso saber para onde se vai antes de começar a correr. 



No hemisfério Norte, Capricórnio é o auge do inverno, momento mais frio e escuro do ano. A Cabra com cauda de peixe transforma a água em gelo, e para sobrevivermos a ele também precisamos endurecer. É determinante nos preservarmos e resguardarmos, coisa que é possível se respeitamos os limites de nossos próprios passos e a ressonância das palavras mais duras. Antes de chegar em Aquário, e desaguar a necessidade de transgredir as regras, é básico conhecê-las.


O zodíaco é carregado de analogias cuja origem está em seu pensamento tradicional, como é o caso das correspondências dos signos com as estações do ano. Mas quando falamos de correspondências nada nos proíbe de imaginá-las em outros lugares, razão pela qual tomo a liberdade de aproximar os sentidos tradicionais de um signo a um contexto que nos é familiar.


É desta forma que vejo Mercúrio em Capricórnio como um retirante, um Severino caminhante, com aspirações extensas, e disposto a percorrer um longo caminho em busca da ascensão material que Capricórnio preza. No Brasil, Mercúrio não pisa nem gelo nem montanha, mas os caminhos secos e pontiagudos do sertão, saturnino por excelência, já que seu calor é, sem dificuldade de compreensão, um extremo comparável ao mais miserável inverno. A seca que tem seu auge justamente quando o Sol caminha pelo signo do bode, corresponde à manifestação de Saturno nos trópicos. 


Nosso pequeno Severino é o desembestado que corre em direção ao mar, tão distante de seu centro seco, que nem sei se ousa sonhar o além do Aquário, a fartura dos Peixes. O cruel Sol do inverno astrológico imprime em seus calcanhares rachaduras, sua terra é uma mapa que o mal-trata. Por isso Mercúrio é forçado, em Capricórnio, a economizar sola do sapato e palavras.


Todo caminho é uma construção. A palavra é a pedra que o sustenta ou faz tropeçar.

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