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Cazimi: "pôr fogo em tudo, inclusive em mim"

Foto do escritor: Mariana CamposMariana Campos

O Sol brilha, mas ofusca; aquece, mas queima. Cazimi é uma prova de fogo, ao qual o Sol submete, de tempos em tempos, os demais errantes celestes. De um modo simples podemos dizer que um planeta está em condição de cazimi quando está conjuntíssimo ao Sol, em uma distância longitudinal de 0 a 16 minutos dele.


De acordo com o astrólogo Abu Mashar (787–886) um planeta no coração do Sol não se torna mais forte. Em suas palavras, Cazimi é uma purificação, que não implica em força imediata, mas em saúde para seguir adiante. Outro astrólogo, Ibn Ezra (1089-1167) dizia que esta condição é como se uma pessoa se sentasse no trono do rei, isto é, como se momentaneamente o rei cedesse a quem visita seu palácio, o direito de governar. Para compreender o valor de um Cazimi, precisamos recapitular que essa prova de fogo se dá em etapas.


Sob os raios do Sol


A primeira delas: Sob os raios do Sol. Quando um planeta começa a se aproximar dos raios do Sol, a mais ou menos 16º de distância dele (graus, e não minutos!) , esse planeta é ofuscado. Para a Astrologia, essa arte tão antiga de observação celeste, essa condição de invisibilidade determinava o início dessa prova de fogo, como se o próprio Sol rocolhesse esse planeta para um rito, e ali, sob os seus raios, o planeta adentrasse as terras de seu reinado ígneo e escaldante. Podemos imaginar que esse planeta se dirige ao Sol como alguém que leva suas petições a um rei. E imaginando encontrá-lo, enquanto caminha, elabora para si mesmo a resposta que dará quando o rei lhe perguntar: "O que você deseja?"


Combustão


A segunda etapa: Combustão. Depois da metade do caminho, a 8ª de distância, esse planeta já vê as portas douradas do palácio real. O caminho que lhe resta, no entanto, está pavimentado de brasas que gritam de tão acesas. A cada passo, a pergunta do rei é refeita. O planeta e tudo mais aquilo que ele possa significar queimam em febre. Na aproximação dessa conjunção já não sabemos mais se o calor é de fora para dentro ou de dentro para fora: tudo dói, o ardor barra o sentido. A combustão é um delírio. Toca Mutantes, "Tudo foi feito pelo Sol":


"Ande sempre para o sol

Olhe sempre para o sol

E tudo que você quiser

E tudo que você pensar será

Iluminado como o sol

Brilhante como o sol"


Cazimi


A terceira etapa: o Cazimi propriamente dito. Nas palavras do astrólogo João Acuio, no prefácio da 1ª edição da revista de astrologia homônima, Cazimi: "Agora, há uma chance, praticamente um milagre, oferecido a qualquer um dos errantes, independente da sua condição ou status celeste. A temperatura pode até aumentar, mas o calor solar já não é mais capaz de arruiná-lo. Equivale encontrar paz na tormenta, habitar o olho do furacão, ser recebido no coração da vida. Esse milagre chama-se cazimi. Em árabe ‘coração’ é galb, mas em urdu é ka samin, sendo samin ‘válvula’ e ka ‘feito de’. Ka samin = ‘feito de válvula’. Urdu tem alfabeto árabe. Mas dizer que algo está no coração do Sol é herança da astrologia helenística. Rethorius (séc. VI) chama de Enkardios que, em grego, quer dizer, ‘no coração’. Em Astrologia é quando um errante está até 16 minutos de longitude distante do Astro Rei".


Todas as imagens oníricas do fogo podem ser invocadas aqui: a purificação, a proteção, o metal, a essência, a verdade, a vontade, o desejo, a ordem imperiosa da vida, a clareza, as dúvidas reduzidas às cinzas, a certeza. Mas a sua prova ainda não acabou, pois, do Cazimi até às voltas do planeta novamente à vista, o afastamento do palácio real implicará novamente em estar em combustão e também sob os raios, até que se alcance projeção heliacal. E esse processo posterior ao Cazimi corresponde ainda àquilo que Abu Mashar dizia sobre, após o Cazimi, o planeta adquirir, não força imediata, mas condições de saúde para seguir adiante. De um Cazimi chegam as notícias dos amigos que se salvaram da ilha do poema "Mundo Grande", de Drummond:


"Meus amigos foram às ilhas

Ilhas perdem o homem

Entretanto alguns se salvaram e

Trouxeram a notícia

De que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias

Entre o fogo e o amor


Então, meu coração também pode crescer

Entre o amor e o fogo

Entre a vida e o fogo

Meu coração cresce dez metros e explode

- Ó vida futura! Nós te criaremos"


Na Astrologia, um Cazimi também é o marco de inauguração de um futuro, de um ciclo sinódico, isto é, cada vez que um planeta se encontra com o Sol - até que se dê o seu próximo encontro - a esse período entre um e outro encontro, chamamos ciclo sinódico. E por isso, um Cazimi também é esse rito de fogo pelo qual o planeta reduz o que passou às cinzas para delas disseminar um novo tempo.


Obs.: Esse texto ainda vai crescer um pouquinho, com exemplos práticos de Cazimi em alguns mapas. Então, voltem em breve para ler mais :)

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