Marte em Aquário

Marte reparte o mundo em duas fatias. Ele representa as guerras, as disputas, os conflitos. Suas qualidades primárias são o calor excessivo e sua consequente secura, que se desdobram em tantas de suas características. O calor, por exemplo, o faz inquieto e por isso mesmo ele é o mais propenso à ação, ao arroubo, ao impulso. A secura adiciona à sua agitação uma retidão de espírito, e como costumo dizer, Marte não faz curva.

É comum associarmos Aquário ao elemento água, devido ao seu nome, embora esse seja um signo de ar, um elemento cujas qualidades primárias são quente e úmido. Mitologicamente, Aquário é Ganimedes, que ganha o epíteto de Aguadeiro em razão de seu rapto por Zeus, que apaixonado pelo jovem troiano, o leva consigo para o Olimpo. Um homem entre deuses. Ele, ali, os serve. Com seu jarro, ele oferece o delicioso néctar aos deuses e às deusas, mas poderia ele, um humano, provar dessa exclusividade divina?

A presença de um planeta em um determinado signo tem diversos efeitos. O planeta expressa as suas qualidades primárias combinadas com as qualidades do elemento do signo no qual está, que podem ser reforçadas ou enfraquecidas. Nesse caso, a umidade dos ares de Aquário são capazes de amenizar um pouco a secura marcial, muito diferente, por exemplo, de Marte em signos de fogo, que são, como ele, quentes e secos. Por outro lado, ao ingressar em um determinado signo, o planeta passará o mover os temas respectivos a esse signo através de suas características. É nesse sentido que Marte em Aquário é uma espécie de infiltrado no Olimpo, e se alguém lhe pergunta se nós, meros humanos, podemos provar do néctar divino, ele contestaria que não só podemos, como devemos. Ele mesmo iniciaria esse motim.

A natureza aquariana, por se tratar de um signo de Saturno, já tem muito disso, e a sua oposição com a opulência de Leão deixa isso nítido. Saturno está à margem das esferas celestes, na tradição astrológica, é o último planeta. Frio, e distante do Sol, naturalmente reclama da luz que não dispõe, do calor que a sua posição lhe priva de ter. Marte, nesse signo, toma tais temas para si.

Marte reparte o mundo em duas fatias. Também na Terra, há os que gozam de terras enormes e mesas fartas, e há os que delas carecerem. Esses encontrarão meios de reclamar, através dos recursos que dispuserem, da sua porção desse néctar. Sobretudo dos bens que são, ou deveriam ser, comuns, comunitários.

Em Aquário, Marte está peregrino, com exceção dos graus 20 a 25 desse signo. Um planeta peregrino também é aquele que não tem parte com aquele signo, nem por dignidade nem por debilidade. É viajante de passagem, e nesse sentido, Marte em Aquário pode ser um provocador, sobretudo um provocador de ideias, já que os signos de ar, em geral, se relacionam com atividades mentais.

Por fim, outro modo de observar Marte em Aquário é pensar que Aquário é o exílio, é a falta do Sol, e com isso, também podemos pensar que quando gestão, governo e liderança, atributos solares, estão em falta, outros tipos de poderes tomam lugar. Acredito que Marte em Aquário é uma das principais representações para grupos paramilitares, cuja relação com uma comunidade, seja ela bairro, cidade ou país, é mesmo peregrino, diferente, por exemplo, das guerrilhas, que embora sejam alternativos às forças oficiais, traçam vínculos, coisa que um planeta peregrino não tem.

Os nativos e nativas que trazem Marte em Aquário em seus mapas poderão assumir esse papel provocativo, sobretudo no plano das ideias, com finalidade de expandi-las. Ou então, como o Aguadeiro, podem levar à risca os valores indistintos de Aquário, e se somos todos iguais, que diferença faz servir esses ou aqueles? Não se trata de um Marte com valores superficiais, que se filia facilmente a uma bandeira ou causa. Marte em Aquário parece estar sempre à margem, e essa liberdade lhe confere ousadia, irreverência, despojamento. Marte reparte o mundo em duas fatias, e sem ter parte com tais fatiais, peregrino, ele parte.