Marte em Câncer
Marte ingressa no pantanoso e enevoado território que o Caranguejo celeste compartilha mitologia com a Hidra de Lerna. O ferro que seu tom avermelhado ostenta está em suas armas e armaduras e corre o risco de se oxidar, pois esse signo é úmido e úmido e úmido, cardinal, de uma umidade que não cessa de se levantar. A passagem do Sol pelo signo de Câncer designava a estação fértil do Nilo, a abundância do cultivo da vida: a promessa da fome saciada, os recursos garantidos e paz que essas coisas trazem.⠀
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A agilidade e objetividade marciais são próprias de sua secura e quentura, mas em Câncer ele afunda os pés na subjetividade, sempre aquosa, da vida que o contorna. Câncer é um signo luminoso, lunar. E como uma mãe, a Lua é para o soldado o colo impossível, o permanente desconforto, os famintos filhos das guerras, como se a canção de ninar fosse sempre interrompida pelo som fantasmagórico dos balaços. Em Câncer, Marte está em Queda.⠀
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Mas como eu disse uma vez, sempre que um planeta cai, uma questão de sua natureza se levanta. Guerras, conflitos, batalhas. Feridas, cortes, facas. Marte em Câncer é aquele que carrega em seu peito as cabeças das hidras, para que não esqueçamos das faces monstruosas das forças que contestam a vida. O fascismo, por exemplo, é uma delas.⠀
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Em signos de água, Marte tem dignidade por triplicidade, noturna, sobretudo. Há uma coragem incontestável em dar ao mundo a face dos covardes. São gente! Sim, são filhos de suas mães, mas são covardes! Canalhas. Anotem seus nomes: um dia serão riscados das história.⠀
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Assim sonhamos com Marte em Câncer.⠀
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Há, ainda, o outro lado da memória, que fere, mesmo quando não atormenta. Acho que é do Nelson Rodrigues uma frase que diz: "ninguém gosta de se lembrar que um dia foi feliz". Curioso caso do Nelson pai, reacionário, e Nelson filho, na luta armada.⠀
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