Vênus em Aquário
Em Aquário, a Vênus está em um signo de ar, quente e úmido, sanguíneo. A umidade condiz com a sua natureza, conferindo conforto nos temas que designa: amor, amizade, prazer, concórdia, benesses em geral. Mas tudo dependerá de Saturno, regente desse signo. No seu modo mais vil, Saturno recepciona essa Vênus como a figura de um ladrão em plena luz do dia, um inimigo infiltrado na roda de amigos. Em condição de dignidade, porém, ele constitui uma ponte entre dois mundos, o que também significa dizer entre dois tempos, borrando as fronteiras que distinguem, por exemplo, o lugar divino do lugar terreno. Está nas Metamorfoses de Ovídio:
Um dia, o rei dos deuses inflamou-se de amores pelo frígio Ganimedes, e foi encontrado aquilo que Júpiter preferiu ser a ser aquilo que era. Não se dignou, contudo, tornar-se uma ave qualquer, senão aquela que pudesse transportar seu raio. De imediato, batendo o ar com enganosas asas, arrebata o neto de Ilo, que agora também é copeiro e serve o néctar a Júpiter contra a vontade de Juno”.
O mito que eleva o Aguadeiro aos céus é sobretudo a história de um rapto, de um deus arrebatado de amores por um jovem humano. Tal situação não é mostra rara na literatura clássica. É, ao contrário, aspecto fundante, já que vários heróis e heroínas que figuram tais narrativas são filhos e filhas da união do divino com o humano, como Helena.

O rapto amoroso recobra uma antiquíssima necessidade da narrativa: a perturbação da ordem, a instauração de um problema. A partir dele, a história se fará, e todos, ao final dela, serão outros. Helena, mãe mítica da nossa Capitu, foi raptada ou se deu ao rapto?
O mito de Ganimedes não trata do enamoramento de qualquer deus, mas do deus dos deuses, Zeus/Júpiter, que, com suas habilidades camaleônicas se transforma em águia, agarrando para si o jovem troiano Ganimedes. Hera/Juno, esposa de Zeus/Júpiter não é a única que se incomoda com a ideia de um humano no Olimpo.
Porque Aquário exila ao Sol, nesse signo, a Vênus não beija o pé de rei nenhum. Quem exige dela exclusividade, fere os seus princípios e saí da relação como fera-ferida. Amor é terra de ninguém. Terreno baldio. “Todo coração é uma célula do mel da vadiagem”, diz a Vênus em Aquário.
Para entrar no seu coração não precisa enviar comunicado oficial ao governo, nem precisa estender o tapete vermelho. Sem cerimônias, essa Vênus é mais afim do meio-fio em frente ao boteco do bairro, no qual ela se senta com sua cerveja gelada à espera de servir quem se sente ao seu lado.

Sintonize a frequência da alegria compartilhada. Ame mais, signo de ar é bicho solto, é uma ideia na cabeça, é um beijo endereçado ao futuro. Quando a Vênus transita por Aquário, igualdade e diferença se cruzam como duas paralelas impossíveis, abrindo passagem para que “outro/outra/outre” do nosso desejo nos rapte do tédio de amarmos somente a nós mesmos. Enquanto a Vênus por aí transita, pode pintar amor de onde menos espera. De qualquer maneira, vale a pena.
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