Vênus em Virgem
Depois de desfazer-se dos saltos e do casaco felpudo, Vênus entra em Virgem com passo tímido e cara lavada. O ambiente novo se parece com uma imensa biblioteca. A sala é fria, quieta e vazia. Corredores permeados de pensamentos pesados como a terra. Os livros espreitam silenciosamente, são frios e indiferentes, são duros, empoeirados, hostis. Para Vênus, o signo de Virgem é a sua queda.
A deusa se sente estranha naquele ambiente. Aqui não é permitido ouvir música ou dar gargalhadas, não se pode comer ou namorar - nada do que a deusa gosta cabe entre as estantes tão sérias. Catalogação e desejo, glossário e beijo, palavras que parecem inconciliáveis ou, no mínimo, improváveis.

Virgo nega os apelos de Eros e fica indiferente aos suspiros da deusa do amor. Segue obstinada, concentrada nas linhas dos livros, silenciosa por fora mas povoada de pensamentos por dentro.
Entediada entre etiquetas numeradas, Vênus estende a mão e pinça um livro que escorrega gentilmente da estante. É um livro de poemas, poemas de amor. A deusa se senta, folheia as páginas devagar, deixa que as palavras tomem o tempo necessário para cavar imagens na mente. Pouco a pouco vai colhendo sensações como se elas fossem pequenos grãos, vai guardando uma por uma no ventre, até sentir-se saciada em intenso silêncio.
Apear do ambiente tão sério e melancólico, a biblioteca também guarda entre os sulcos das estantes pequenas sementes de amor. Apesar de Virgem ser a queda de Vênus, aqui ela tem força por triplicidade. Gosta da terra e do que nasce dela, tudo que vira alimento para nutrir os corpos que vão amar quando o momento propício chegar.
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